
Fui jovem nos anos oitenta e vivi toda a efervescência dos fanzines, da cena underground, do punk e do new wave e todas as manifestações que para muitos foram os últimos fenômenos culturais genuínos da era pré-digital.
Fervíamos em nossos auto-proclamados guetos, embalados pela música pesada e pelas letras de rebeldia e de depressão existencial, de Joy Division a Legião Urbana, de Devo a Ultrage a Rigor, de Damned, Dead Kennedys e Agent Orange a Inocentes, Garotos Podres, Olho Seco e tantos outros.
Os círculos eram pequenos e as ideologias eram bem elaboradas, cada grupo pregava as mazelas do pós-rock, da geração “pós pós-guerra”, pós-ditadura e pós-tantas outras coisas que acabamos quase ficando sem identidade própria. Ser pós e viver alguma herança quase sempre maldita era a nossa desculpa e a nossa identidade, mas de qualquer forma, foi um dos últimos períodos ultra-férteis de grande efervescência cultural ou contra-cultural antes da era digital, e de alguma forma deixamos várias marcas que ainda hoje estão por ai, algumas até com grande influência e atualidade.
Após um longo período sem qualquer manifestação original mergulhamos definitivamente na era digital com profundas conseqüências para os jovens, e começamos a ver manifestações regionais e bem localizadas se difundirem na internet e encontrarem ressonâncias em outras periferias e vizinhanças do mundo.
Mas acho que só agora, com a evolução da tecnologia, a acessibilidade do cyber-espeço a todas as camadas sociais e as ferramentas da Web 2.0 é que começamos a perceber que podemos estender nossos guetos modernos ao redor do mundo.
Quem mais tem carência de ressonância cultural é quem justamente tem mais carência de procurar seus iguais e se manifestar, criando e expandindo seu próprio espaço no mundo, na sociedade e no mercado.
É por isso que o Orkut é um fenômeno (entre tantos outros) no Brasil e justamente nas lan houses das periferias.
Nossos jovens de baixa renda tem muito pouca opção de lazer e de cultura formal e acabam criando suas próprias tendências e manifestações que antes da era digital eram isoladas dentro das ruelas das favelas, nos barracões das escolas de samba e nas quadras de Black Power, Funk e Break Dance em verdadeiros patamares pendurados nos morros da periferia, como que a olhar o resto da cidade com uma vista privilegiada.
Se naquela época a qualidade e a originalidade já eram absolutas em seus ambientes isolados, agora na era da grande rede, não só os guetos se expandem, mas trocam experiências, impressões e até criam em conjunto, ampliando a abrangência, a riqueza e a profundidade da miscigenação cultural.
Temos exemplos de artistas que nasceram plugados no cyber-espaço e que se materializaram nos grandes mercados de música, vídeo, artes gráficas, mas tem um número infinito de artistas que crescem vertiginosamente pela Web, totalmente alheios e à margem dos mercados.
Em uma análise mais profunda, podemos perceber que este fenômeno quebra os limites da arte e das manifestações culturais e passa a criar espaços e oportunidades em diversas outras áreas, criando meios de geração de trabalho e renda totalmente inusitados, originais e bem sucedidos, também alheios aos mercados e totalmente à margem dos modelos tradicionais.
A “Cyber-Periferia” ou “Periferia 2.0” é um caldeirão fervilhante de experiências originais e a sua força como formadora de opinião nas maiores massas de consumidores de todo o planeta é inegável.
Essa capacidade de comunicação e de formação de opinião em larga escala é um motor gerador de hábitos e comportamentos capazes de desequilibrar qualquer mercado, fazendo surgir do nada novos produtos e serviços, e destruindo da noite para o dia a reputação e a imagem de produtos e empresas que não tem qualquer ressonância com suas necessidades e desejos.
Algumas empresas já perceberam que não adianta levar um punhado de “representantes” das tendencias e hábitos dos mercados consumidores de classe C e D para seus grandes (e intimidadores) laboratórios de pesquisa de marketing em prédios de 20 andares com recepção computadorizada, catraca eletrônica, segurança e elevador revestido de mármore.
Para atingir em cheio a maior fatia de consumo em todo o mercado atual, as empresas tem que ir até lá, despir-se de suas roupas, carros e relógios de grife e até de sua linguagem de marqueteiros ou sociólogos de bancada e penetrar de corpo e alma no mundo único das periferias.
Certamente temos muito mais oportunidades de interação e de simbiose entre as grandes empresas e a periferia. O fenômeno da penetração e do uso amplo e inovador da Internet nas Lan Houses Suburbanas é a ponte para penetrar esse mundo à parte de opiniões, hábitos e conceitos próprios.
Já temos laboratórios de criação de produtos encravados em ruelas de favelas no Brasil, na África e na Índia. Já temos empresas especializadas em espionar redes sociais em busca de focos de informação negativa sobre produtos e empresas na Web. Já temos até experiências muito boas de diálogo de empresas com comunidades virtuais e redes sociais para neutralizar e até mesmo interagir com elas de forma aberta e transparante, entendendo críticas e colaborando para absorver e implementar mudanças e melhorias, buscando calibrar as ressonâncias com os consumidores.
Porém falta ainda a abertura da maior fronteira de simbiose entre as cyber-periferias e as Corporações e Organizações. A colaboração profissional em cadeia, que deverá levar oportunidades reais de geração de trabalho e renda às periferias através das redes sociais e de outras ferramentas do cyber-espaço e que mudarão para sempre as regras e relações entre as pessoas e as organizações.
Nesta onda de abertura, certamente em um futuro ainda distante, teremos a quebra das mega-empresas em cadeias de colaboração entre empresas menores e entre empresas e indivíduos que trabalharão remotamente, de maneira colaborativa, flexível, independente, inovadora e acima de tudo remunerada, inserindo uma parcela ainda maior da população no mercado consumidor, aproximando e agilizando o diálogo com as empresas, diminuindo custos, melhorando a assertividade e efetividade dos investimentos.Esta revolução já começou, mas é ainda fragmentada e desordenada, mas a ressonância entre as suas diversas experiências deve orquestrar a sua convergência em ondas de movimentos em direção à novos serviços e processos que se beneficiarão diretamente da simbiose entre as empresas e as cyber-periferias.
Bom dia! Seja Feliz!
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